textos e artigos para reflexão

Um tema polêmico retomado pela publicação de uma pesquisa da revista Veja é comentado pelo Professor Julio Groppa.
Rankear a educação privada, para quê?
Julio Groppa Aquino
Julio Groppa Aquino é professor da Faculdade de Educação da USP e autor de "Do Cotidiano Escolar" (Summus, 2000), entre outros..

A alta classe média paulistana anda em polvorosa. Saiu em "Veja São Paulo" o "ranking" de qualidade das escolas particulares da cidade. De um universo de 2000 estabelecimentos, foram classificadas as ditas 50 "melhores" escolas.
Item obrigatório nas últimas conversas entre pais, educadores e empresários do setor, a reportagem deu o que falar, aguçando os brios de alguns e a sede de consumo de outros.
Agora, os pais consumidores já podem escolher, sem hesitação, onde depositar seus filhos durante o horário comercial, onde melhor treiná-los para triunfar no vestibular, onde melhor prepará-los para o convívio com seus iguais.
Para essa parcela privilegiada da população, a vida ficou bem mais confortável, já que será possível adquirir serviços educacionais condizentes com o seu padrão de consumo pessoal. Está dada, pois, a largada da corrida para encontrar uma melhor vaga ao sol escolar privado.
Longe de questionar a fidedignidade dos critérios utilizados no "ranking pedagógico Veja", vale a pena tomá-lo como uma mostra dos contra-sensos a que se pode chegar quando o assunto é a educação das novas gerações - preocupação que todos temos ou teremos em algum momento da vida.
Ora, quando uma parcela de um povo, especialmente o dito esteio intelectual da classe média, se fia em um guia prático de consumo para avaliar qual educação legar a seus filhos, isso só pode significar que a mentalidade pedagógica nacional vai de mal a pior. Isso porque a educação das crianças e dos jovens não é algo que se dispõe em páginas de revistas dominicais ou em prateleiras do tipo "pegue e faça ao seu modo".
Só num país como este se ousa privatizar uma discussão coletiva desse quilate, como se fosse um privilégio exclusivo, à vontade da freguesia dos pais pagantes. Como se se tratasse, enfim, de mais um bem patrimonial disposto na galeria de nossas aquisições pessoais - tão supostamente diferenciadas das dos outros, tão pateticamente idênticas às deles.
Caros leitores, é necessário lembrar-lhes que a educação escolar é uma prática de natureza sempre pública, independentemente de sua administração (estatal ou privada). Isso porque o trabalho realizado nas escolas deve visar, em igual medida, à qualificação dos mais novos para seu ingresso no mundo público, ingresso este viabilizado por uma relação de fato significativa entre professores e alunos. E isso pode (e deve) ocorrer de modo semelhante - seja no Capão Redondo, seja no Morumbi, seja no Butantã - desde que os profissionais de determinada escola, de modo verdadeiramente cioso para com seus deveres, se disponham a fazê-lo.
Tranquilizem-se, pois, colegas da classe média. As escolas número 1, 2, 25 ou 43 do tal "ranking" são muito parecidas no final das contas. Todas elas dizem preocupar-se com o conteúdo e com a disciplina; todas elas dizem dispor de um excelente quadro de profissionais satisfeitíssimos com seus salários e condições de trabalho; todas elas valem o quanto pesam. Sem esquecer que há sempre uma das melhores casas do ramo pertinho da sua.
Mas comece a desconfiar de suas sensatas escolhas se seu filho, depois de anos a fio, ainda não tiver descoberto a beleza que mora num poema ou num problema matemático.
Os resultados da ação escolar são sutis, artesanais, a longo prazo e, quiçá, de longa duração. Não se medem portanto de véspera, nem com rankings, nem com mensalidades salgadas ou coisa que o valha. Critério de avaliação da qualidade escolar é um só: se os novos aprenderam a degustar a complexidade da vida. Precisa de mais?

Texto extraído do jornal Folha de São Paulo, São Paulo - SP, Equilíbrio, p. 15, de 25 de outubro de 2001

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